Tuesday, October 23, 2007

A referência da anti-referência

Todo mundo - ou pelo menos quase todo mundo - tem músicas, estilos musicais que não gosta e que detesta. Sabe aquelas músicas em que você não consegue ficar escutando? Sim, essas mesmas.

É interessante parar pra pensar nessas músicas. Curiosamente, parece serem elas que mais ficam grudadas na cabeça. Provavelmente muito mais do que músicas boas.

Mas por que uma música pode ser ruim?

Vamos colocar aqui alguns motivos:

-melodia/harmonia/ritmo/letra não fazem seu estilo.

-melodia/harmonia/ritmo/letra parecem ser simples demais.

-melodia/harmonia/ritmo/letra são complexas demais.

O que acontece comigo é de muitas vezes nem ter nada contra a estrutura da música, mas associar ela a algo que não gosto e, com isso, passo a ter uma imagem ruim dela.

Por mais difícil que seja, acho que deveriamos fazer um esforço pra tentar entender o universo daquela música julgada ruim. Será que ela é mesmo ruim?

Por outro lado, é interessante pensar que, no momento em que existe algo que você, eu, não gostamos, já temos um parâmetro, uma referência daquilo que não achamos bom. Assim, podemos partir dessas músicas, dessas características que não gostamos pra achar o nossos estilo, nossa identidade musical e, por que não, pessoal?

O que não gostamos pode dizer muito mais do que o que gostamos.


Tuesday, August 07, 2007

Som e imagem - as mesmas coisas?

Será que exista muita diferença entre ouvir uma música e ver uma imagem? É isto que vamos discutir hoje.

No primeiro momento imagem e som parecem serem duas coisas bem destintas. Se pegarmos uma foto pra comparar com uma música, vamos notar que a fotografia trabalha com o congelamento do tempo, pegando uma fração de segundos ou uma quantidade de segundos e transformando em imagem. Já a música trabalha com um tempo que possui duração. Quando você escutou a música, percebeu ela, o tempo correu.

Entretanto, a
fotografia pode simular perfeitamente uma cena que possui um maior periodo de tempo, utilizando técnicas como o movimento borrado. Ao mesmo tempo, a música também pode simular o congelamento do tempo. Por exemplo, utilizando timbres "contínuos", que são capazes de segurar uma nota por segundos, minutos ou horas (strings, órgão, piano com pedal de sustain,...) ou utilizando loops em um curtíssimo espaço de tempo.

Interessante que termos como "arranjo" e "composição" são usados tanto para imagem como para som. Quando vemos uma imagem em que os elementos dela estão bem dispostos uns em relação aos outros, dizemos que ela possui harmonia, que significa simetria, concordância. Esse signficado de harmonia, que também é utilizado pra se referir a um grupo de pessoas, obviamente tem muito a ver com a harmonia musical, quando falamos de um grupo de notas.
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Eu seria capaz de dizer que som e imagem são a mesma coisa. Apenas que um possui relação de tempo e o outro possui uma relação de espaço. Uma figura com tom mais claro poderia ser comparada com uma nota mais aguda. A frequência de uma cor poderia ser comparada com um timbre de um instrumento, conforme seu significado (o vermelho, por lembrar força, impacto, poderia representar uma guitarra, assim como branco representaria um piano).
Se formos fazer uma comparação entre os programas que editam imagem e os programas que editam áudio, vamos ver outra série de termos comuns. A possibilidade de distorcer tanto a imagem quanto o som, a chance de qualquer uma delas poder ter um ruído, a chance de se dobrar o tamanho de uma nota e de se dobrar a duração de uma figura.

É interessante fazer essa analogia até pra imaginarmos novas maneiras de pensar sobre qualquer um destes assuntos. A partir disso, poderíamos se apropriar de funções que normalmente seriam atribuidas à imagem e usar para o som. E vice-versa.

Portanto, se um dia você ouvir falar que determinada foto possui reverberação, não se assuste. Isso pode significar apenas que ela apresenta uma espécie de cosmo em seu redor, como uma aura que reflete seu contorno. Se disserem que uma pessoa ficou com vibrato na foto, não é um defeito. As suas bordas ficaram com um leve "zigue-e-zague", que dá um toque de beleza na imagem. Mas e se alguém falar que um desenho ficou com delay? Ah, isso só significa que a figura desenhada deixou um rastro no fundo da imagem com réplicas de si. Em muitos casos, essas réplicas vão ficando cada vez mais fracas, mais fracas, mais fracas - até que finalmente chegam ao encontro do silêncio.

Sunday, February 18, 2007

A música em si

Um assunto que muito me chama a atenção é o ouvido absoluto. Nossa, deve ser fantástico você poder reconhecer qualquer nota musical sem ter outra nota como referência. Imagine - em um caso extremo: você está perto de seu cachorro, ouve ele latindo e quase que imediatamente fala: "Lá bemol"!

Embora o ouvido absoluto ainda seja considerado por muitos como um dom, cada vez mais, ele é visto como algo possivel de ser desenvolvido. Mas claro, reconhecer as notas musicais imediatamente não parece ser uma tarefa nada simples. O que talvez possa ser o maior estímulo se trata de já ter tido o contato com música logo na infância.

A fim de auxiliar a conquista dessa incrivel habilidade (e, de certo modo, provando que é possivel adquirir a mesma sem ter nascido com ela), existe um programa chamado absolute pitch. Vale a pena pesquisar, tanto sobre o programa quanto o ouvido absoluto.

E no caso de nós, que não temos esse diferencial? Bom, no momento em que passamos a tocar um instrumento e já entendemos um pouco de teoria musical, começamos a ouvir música de um modo diferente: passamos a desenvolver o ouvido relativo.

Muitas vezes este ouvido relativo é capaz de ficar automático. Por exemplo, você ouve aquela música no rádio. Em nenhum momento se mostra interessado em saber a tonalidade da mesma. Mas já percebeu que os primeiros acordes tinham função de tônica e subdominante, respectivamente. Percebeu que a guitarra está tocando no contratempo e que a segunda voz está fazendo mais ou menos uma terça acima do vocal. Você fez isso porque tem o costume de analisar a música enquanto está no carro? Não. Você fez isso porque os seus ouvidos se habituaram a ouvir música desse jeito.

Não é terrível??

Pois é. Isso o que tenho lutado pra não fazer na hora de ouvir qualquer música. Infelizmente, não tenho conseguido. Não tenho controle sobre minha audição. É muito raro não ocorrer essa análise musical automática e incondicional, ainda mais quando é uma canção bem conhecida por mim. Lembro que, antes de eu começar a tocar, quando ouvia música, prestava atenção na letra e no estilo, principalmente. Consegia dizer se um cantor era bom ou ruim, mas isso não tinha importância.

O importante era a música ser legal. Eu conseguia curtir muito mais a música e
ainda prestar bem mais atenção no timbre do(a) vocalista. Sim. Isso é um detalhe importante. Prestava atenção na voz do cara ou da mulher, como se eles estivessem dizendo algo, porém com ritmo, com melodia.

Parece que me habituei a fazer justo o contrário: prestar atenção na afinação e não ligar tanto pro timbre. A voz é quase reduzida a uma sequência de notas, ascendentes ou descendentes. Algumas vezes ocorre o pior: tento prever qual será a próxima nota ou fico esperando a próxima parte da música, ignorando o que está sendo tocado e vivido naquele momento. Tudo sem intenção, como já disse.

Está bem. Eu exagerei um pouco. É claro que a análise automática também tem seu lado bom. E não é sempre que o ouvido relativo permite saber a função de determinado acorde. Diversas vezes ele falha.

Mas além disso tudo, acredito que mesmo quem não é músico possui, sim, uma percepção musical. É simples: uma pessoa pode não fazer idéia do nome do acorde que finalizou tal música, mas pode se dar conta de que ele tinha a mesma sonoridade do acorde que iniciou a mesma música - logo ela conclui que eram os mesmos. A mesma pessoa também pode se dar conta de que Twist and Shout e La bamba possuem uma grande semelhança, o que permite concluir que o modo de tocar e a melodia dos mesmos sejam bem próximos. Ela pode facilmente perceber que tal nota é mais "grossa", ou seja, mais grave do que a outra. A grande diferença nisso tudo é que ela não chegou a internalizar e a colocar uma nomenclatura nos objetos - o que provavelmente seria o primeiro passo de um estudo musical. À propósito, não seria interessante um estudo profundo de como as pessoas que não conhecem teoria ouvem a música? Bem, é por isso que eu não gosto do termo leigo. Todos possuem um grau de conhecimento, que, obviamente, varia.

Pra finalizar, acredito que, assim como um não-músico pode perceber a música, os músicos podem também ouvir a música naturalmente, isto é, curtir a música e simplismente ouvir. Talvez a dificuldade para conseguir isso esteje quase ao mesmo nível do alcance do ouvido absoluto.

Mas talvez seja apenas uma questão de reeducar seu ouvido. De qualquer modo, tenho bem claro o que considero ideal para qualquer músico: conseguir juntar seu conhecimento teórico e perceptivo e, ao mesmo tempo, sem perder o ouvido natural.
Para isso, é necessário ouvir a música na sua condição real, em outras palavras, ouvir a música em si. Independente se for Si maior ou Si menor.