Sunday, February 18, 2007

A música em si

Um assunto que muito me chama a atenção é o ouvido absoluto. Nossa, deve ser fantástico você poder reconhecer qualquer nota musical sem ter outra nota como referência. Imagine - em um caso extremo: você está perto de seu cachorro, ouve ele latindo e quase que imediatamente fala: "Lá bemol"!

Embora o ouvido absoluto ainda seja considerado por muitos como um dom, cada vez mais, ele é visto como algo possivel de ser desenvolvido. Mas claro, reconhecer as notas musicais imediatamente não parece ser uma tarefa nada simples. O que talvez possa ser o maior estímulo se trata de já ter tido o contato com música logo na infância.

A fim de auxiliar a conquista dessa incrivel habilidade (e, de certo modo, provando que é possivel adquirir a mesma sem ter nascido com ela), existe um programa chamado absolute pitch. Vale a pena pesquisar, tanto sobre o programa quanto o ouvido absoluto.

E no caso de nós, que não temos esse diferencial? Bom, no momento em que passamos a tocar um instrumento e já entendemos um pouco de teoria musical, começamos a ouvir música de um modo diferente: passamos a desenvolver o ouvido relativo.

Muitas vezes este ouvido relativo é capaz de ficar automático. Por exemplo, você ouve aquela música no rádio. Em nenhum momento se mostra interessado em saber a tonalidade da mesma. Mas já percebeu que os primeiros acordes tinham função de tônica e subdominante, respectivamente. Percebeu que a guitarra está tocando no contratempo e que a segunda voz está fazendo mais ou menos uma terça acima do vocal. Você fez isso porque tem o costume de analisar a música enquanto está no carro? Não. Você fez isso porque os seus ouvidos se habituaram a ouvir música desse jeito.

Não é terrível??

Pois é. Isso o que tenho lutado pra não fazer na hora de ouvir qualquer música. Infelizmente, não tenho conseguido. Não tenho controle sobre minha audição. É muito raro não ocorrer essa análise musical automática e incondicional, ainda mais quando é uma canção bem conhecida por mim. Lembro que, antes de eu começar a tocar, quando ouvia música, prestava atenção na letra e no estilo, principalmente. Consegia dizer se um cantor era bom ou ruim, mas isso não tinha importância.

O importante era a música ser legal. Eu conseguia curtir muito mais a música e
ainda prestar bem mais atenção no timbre do(a) vocalista. Sim. Isso é um detalhe importante. Prestava atenção na voz do cara ou da mulher, como se eles estivessem dizendo algo, porém com ritmo, com melodia.

Parece que me habituei a fazer justo o contrário: prestar atenção na afinação e não ligar tanto pro timbre. A voz é quase reduzida a uma sequência de notas, ascendentes ou descendentes. Algumas vezes ocorre o pior: tento prever qual será a próxima nota ou fico esperando a próxima parte da música, ignorando o que está sendo tocado e vivido naquele momento. Tudo sem intenção, como já disse.

Está bem. Eu exagerei um pouco. É claro que a análise automática também tem seu lado bom. E não é sempre que o ouvido relativo permite saber a função de determinado acorde. Diversas vezes ele falha.

Mas além disso tudo, acredito que mesmo quem não é músico possui, sim, uma percepção musical. É simples: uma pessoa pode não fazer idéia do nome do acorde que finalizou tal música, mas pode se dar conta de que ele tinha a mesma sonoridade do acorde que iniciou a mesma música - logo ela conclui que eram os mesmos. A mesma pessoa também pode se dar conta de que Twist and Shout e La bamba possuem uma grande semelhança, o que permite concluir que o modo de tocar e a melodia dos mesmos sejam bem próximos. Ela pode facilmente perceber que tal nota é mais "grossa", ou seja, mais grave do que a outra. A grande diferença nisso tudo é que ela não chegou a internalizar e a colocar uma nomenclatura nos objetos - o que provavelmente seria o primeiro passo de um estudo musical. À propósito, não seria interessante um estudo profundo de como as pessoas que não conhecem teoria ouvem a música? Bem, é por isso que eu não gosto do termo leigo. Todos possuem um grau de conhecimento, que, obviamente, varia.

Pra finalizar, acredito que, assim como um não-músico pode perceber a música, os músicos podem também ouvir a música naturalmente, isto é, curtir a música e simplismente ouvir. Talvez a dificuldade para conseguir isso esteje quase ao mesmo nível do alcance do ouvido absoluto.

Mas talvez seja apenas uma questão de reeducar seu ouvido. De qualquer modo, tenho bem claro o que considero ideal para qualquer músico: conseguir juntar seu conhecimento teórico e perceptivo e, ao mesmo tempo, sem perder o ouvido natural.
Para isso, é necessário ouvir a música na sua condição real, em outras palavras, ouvir a música em si. Independente se for Si maior ou Si menor.